terça-feira, 28 de junho de 2011

O VENDEDOR DE PALAVRAS

Remexendo meus arquivos antigos, encontrei um texto muito interessante, cujo autor, Fábio Reynol, de um jeito bem humorado, faz uma crítica à falta de vocabulário do povo brasileiro. Divido com você o texto. Garanto que vai gostar!

Ouviu dizer que o Brasil sofria de uma grande falta de palavras. Em um programa de TV, viu uma escritora lamentando que não se lia livros nesta terra,por isso as palavras estavam em falta, na praça.O mal tinha até nome de batismo, como qualquer doença grande: Indigência Lexical.


Comerciante de tino que era, não perdeu tempo em ter uma boa idéia. Pegou dicionário, mesa e cartolina e saiu ao mercado para cavar espaço entre os camelôs. Entre uma banca de relógios e outra de lingerie,instalou a sua:uma mesa, o dicionário e a cartolina, na qual se lia:


HISTRIÔNICO - apenas 0,50 centavos.


Demorou mais de quatro horas para que o primeiro de uma série de cinquenta curiosos parasse e perguntasse:


_O que o senhor está vendendo?


_Palavras, meu senhor. A promoção do dia é histriônico, a cinquenta centavos, como diz a placa.


_ O senhor não pode vender palavras.Elas não são suas. Palavras são de todos.


_ O senhor sabe o significado de histriônico?


_ Não.


_ Então o senhor não a tem. Não vendo algo que as pessoas já têm ou de que elas não precisem.


_ Mas eu posso pegar essa palavra, de graça, no dicionário.


_ O senhor tem dicionário em casa?


_ Não. Mas eu poderia muito bem ir à biblioteca e consultar um.


_ O senhor estava indo à biblioteca?


_ Não. Na verdade, estou a caminho do supermercado.


_ Então veio ao lugar certo. O senhor está para comprar feijão e alface; pode muito bem levar para casa uma palavra, por apenas cinquenta centavos de real.


_ Eu não vou usar essa palavra.Vou pagar pra depois esquecê-la.


_ Se o senhor não comer a alface, ela acaba apodrecendo, na geladeira, e terá que jogá-la fora. E o feijão caruncha.


_ O que pretende com isso? Vai ficar rico vendendo palavras?


_ O senhor conhece a Nélida Pinõn?


_ Não.


_ É uma escritora. Esta manhã, ela disse na televisão que o País sofre com a falta de palavras, pois os livros são muito pouco lidos por aqui.


_ E por que o senhor não vende livros?


_ Justamente por isso. As pessoas não compram palavras no atacado; por isso as vendo no varejo.


_ E o que as pessoas fazem com as palavras? Palavras são palavras; não enchem barriga.


_ A escritora também disse que cada palavra corresponde a um pensamento.Se temos poucas palavras, pensamos pouco. Se eu vender uma palavra por dia, trabalhando duzentos dias por ano, serão duzentos pensamentos cem por cento brasileiros.Isso sem contar os que furtam o meu produto.São como trombadinhas que saem correndo com os relógios do meu colega, aqui ao lado. Olhe aquela senhora, com o carrinho de feira, dobrando a esquina.Com aquela carinha de dona-de-casa, ela nunca me enganou.Passou por aqui, sorrateira, olhou minha placa e deu um sorrisinho maroto, se mordendo de curiosidade. Mas nem parou para perguntar. Eu tenho certeza de que ela tem um dicionário em casa.Assim que chegar lá, vai abrí-lo e me roubar a carga. Suponho que para cada pessoa que se dispõe a comprar uma palavra, pelo menos cinco a roubarão.Então eu provocarei mil pensamentos novos, em uma ano de trabalho.


_ O senhor não acha muita pretensão? Pegar um...


_Jactância.


_ ...Pegar um livro velho...


_ Alfarrábio.


_ O senhor me interrompe!


_ Profaço.


_ Está me enrolando, não é?


_ Tergiversando.


_ Quanta lenga-lenga!


_ Ambages.


_ Ambages????


_ Pode ser também evasivas.


_ Eu sou mesmo um banana, pra dar trela pra gente como você!


_ Pusilânime.


_ O senhor é engraçadinho, não?


_ Finalmente chegamos: histriônico.


_ Adeus!


_ Hei! Vai embora sem pagar?


_ Tome seus cinquenta centavos!


_ São três reais e cinquenta.


_ Como é?


_ Pelas minhas contas, são 8 palavras novas que eu acabei de entregar para o senhor.Só histriônico estava na promoção. Mas como o senhor se mostrou interessado,faço todas pelo mesmo preço.


_ Mas oito palavras seriam 4 reias, certo?


_ É que quem leva Ambages, leva uma Evasiva, entende?


_ Tem troco pra cinco?


Fala a verdade: é muito bom esse texto, não é?

2 comentários:

  1. Eliana, esse texto é ótimo!
    Tenha uma abençoada quarta-feira!

    Quero lhe convidar para ver e comentar ‘Um trocado para uma lata de leite caro’ no http://jefhcardoso.blogspot.com

    “Que a escrita me sirva como arma contra o silêncio em vida, pois terei a morte inteira para silenciar um dia” (Jefhcardoso)

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