POEMA À BOCA FECHADA
Não direi:Que o silêncio me sufoca e amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois que a língua que falo é de outra raça.
Palavras consumidas se acumulam,
Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vaza de fundo em que há raízes tortas.
Não direi:
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me não conhecem.
Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,
Nem só animais bóiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem dedos.
Só direi,
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quando me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo.
JOSÉ DE SOUZA SARAMAGO - nasceu em Azinhaga, Santarém, Portugal, em 16 de novembro de 1922 , e faleceu hoje, 18 de junho de 2010, em Tías, Las Palmas, España. Foi escritor, jornalista e dramaturgo. Membro do Partido Comunista Português, desde 1969. Em 1998, recebeu o Prêmio Nobel de Literatura. A Academia Sueca destacou a capacidade que Saramago tinha de «tornar compreensível uma realidade fugidia; com parábolas sustentadas pela imaginação, a compaixão e a ironia».
PS: Infelizmente, nem só de notícia boa vive um blog.